A infância e a juventude compreendem as melhores fases para aprender um novo idioma, mas isso não quer dizer que seja um impeditivo para os idosos. De acordo com alguns estudos, cada etapa da vida apresenta suas vantagens no processo de aprendizagem de línguas.
“O público mais jovem, apesar de assimilar novas informações com mais facilidade, não tem as experiências de vida que a terceira idade possui. Os idosos lançam estratégias de vida no que eles estão estudando”. Quem defende esse pensamento é a professora Maria Augusta Rocha Porto, do Departamento de Letras Estrangeiras da UFS (DLES) , coordenadora do projeto “Inglês para terceira idade”.
Essa afirmação é corroborada por um estudo feito em Israel (em inglês) que revela que os alunos mais velhos usam todo conhecimento adquirido ao longo dos anos para aprender e processar novas informações. O estudo foi repercutido com matérias na revista Exame e na BBC News Brasil, só para citar dois exemplos.
Mesmo com pouca escolaridade, José Araújo, de 88 anos, resolveu entrar no projeto porque, além de ter o desejo de aprender um novo idioma, queria conhecer novas pessoas. “A primeira escola que entrei na vida foi essa. A convivência é muito boa. Tudo fica fácil demais com a ajuda dos professores”, diz o motorista aposentado, há seis anos no projeto.
A história de seu José Araújo foi uma grata surpresa para a coordenadora da iniciativa. “Depois de muito tempo, eu descobri que ele não tinha o ensino médio. Agora ele quer ser incluso no Nupati [Núcleo de Pesquisa e Ações da Terceira Idade da UFS] para fazer outras disciplinas na universidade. Atualmente, está fazendo o supletivo e se dando muito bem, porque ele consegue ler, está escrevendo e aprendendo”, afirma Maria Augusta.
Sua colega de turma, a dona de casa aposentada Maria Inês Ribeiro, de 86 anos, começou a estudar outro idioma por incentivo da filha, a professora Maria Augusta, 60. Seu objetivo é estimular ainda mais a memória. "Fiquei entusiasmada porque, queira ou não queira, quando a idade chega, os neurônios vão morrendo, ficamos um pouco esquecida das coisas”, conta.
Dona Inês afirma que, apesar de ela ainda não saber falar corretamente algumas palavras, as aulas são sempre estimulantes. “A convivência com os colegas é maravilhosa e os professores são muito bons. Estamos com uma equipe imensa, de cinco a seis professores maravilhosos, dedicados, conscientes e pacientes, que é o mais importante”.
Seu Clélio Afonso de Carvalho, de 63 anos, frequenta as aulas há menos tempo de que seu José Araújo e dona Inês, mas seu interesse pelo inglês é antigo. “Sempre tive interesse pela língua inglesa. Estudava em escola particular, depois fui estudar com a professora Paloma [aulas particulares], que foi quem me indicou o projeto”, revela o médico aposentado.
“Os professores aqui nos dão toda oportunidade de conversar tanto no português quanto no inglês, até mais no inglês. E com os colegas existe uma interação muito boa. Todos estão muito à vontade e participativos nas aulas”, complementa.
Não são só aposentados que participam do projeto. A corretora de imóveis Helena Gois, de 64 anos, recentemente resolveu participar das aulas. “Estou aqui amando, gostando bastante. Os professores são excelentes, é uma turma maravilhosa, com pessoas bem divertidas. Estou muito feliz em participar do projeto. Quando consigo falar um pouquinho em inglês, é aí que tenho certeza que está bom”, fala.
Troca de experiências
O momento de maior interação geralmente ocorre no intervalo ou no final da aula. “Eles fazem um coffee break com o lanche que eles mesmos trazem. Nisso, praticam a questão social de interagir com o outro, mostrar o que aprenderam e esclarecer dúvidas. Isso faz com que eles se sociabilizem”, diz a coordenadora do projeto.
Ela ainda explica que cada aluno tem seu tempo para aprender. “Eles aprendem, mas o ritmo de aprendizagem e o quanto eles vão falar só depende de cada um. Às vezes eles se sentem inseguros, mas nas atividades práticas vemos o quanto estão progredindo”.
Ainda para Maria Augusta, a vantagem de aprender um novo idioma vai além do bilinguismo. “Só de ver que eles estão envolvidos com o aprendizado da língua estrangeira, já estão controlando os neurônios, isso permite que não tenham a facilidade de adquirir Alzheimer ou outra doença degenerativa. Eles não podem, de repente, parar e se aposentar, porque a gente adoece”.
Alunos como professores
As aulas são ministradas pelos alunos bolsistas de Letras Estrangeiras, que têm a oportunidade de lidar com um público diferenciado. Para ensinar, Maria Augusta conta que eles precisam entender e valorizar a experiência de cada idoso indistintamente. Por conta disso, o programa do curso é concebido para atender as necessidades do projeto.
“Essa troca de conhecimento é muito importante, pois diferentemente do que esses bolsistas vão ensinar nos ensinos básico, fundamental e médio, aqui nós fazemos um conteúdo programático focado nos idosos. A metodologia vai mudando a partir de erros e acertos”, explica.
A bolsista Andrea Lisboa, do 3º período, é observadora das turmas e também ministra algumas aulas do projeto. Para ela, está sendo muito bom poder trocar experiências com esse público. “Eles são incríveis, participam bastante, perguntam de verdade e prestam atenção em tudo. Estão aqui porque realmente querem aprender. E para nós, alunos de licenciatura, têm sido muito importante porque ensinar é a melhor forma de aprender”.
Yaisa Kinte Moura, também do 3º período, é professora da turma ministrada na segunda-feira. “É muito bonito e inclusivo, sem falar que os alunos motivam muito a gente a continuar. Além disso, estamos aprendendo a lidar com um grupo diferente do que estamos acostumados, que é de crianças e adolescentes”.
Já Dandara Batista, do 8º período, atua dando suporte aos alunos, mas iniciou como observadora. “Eles demonstram muito interesse, são muito ativos. Com essa troca de experiências, de conhecimento, a gente oferece uma coisa e eles oferecem outras”.
Como surgiu a ideia do projeto
Maria Augusta lida com a terceira idade desde 1993, ano em que ela entrou na UFS como professora. Mas o “Inglês para terceira idade” só foi oficializado na Pró-Reitoria de Extensão (Proex) em 2011. Atualmente, o projeto é financiado pelo Edital Piaex 23/2018. A professora Dinah Lima Girão, também do DLES, é a coordenadora adjunta.
A docente conta que o projeto foi pensado diante do impacto social evidenciado desde 2006 sobre a mudança da pirâmide etária. “Analisando e estudando essa mudança, vi que era uma oportunidade de o aluno aprender como ensinar a terceira idade, que não é exatamente o mesmo objetivo de ensinar para o ensino médio e básico fundamental. Além disso, [é importante] contribuir para a qualidade de vida desse público”.
As aulas são ofertadas para pessoas idosas e envelhescentes (a partir de 45 anos) das comunidades externa e interna. Atualmente, o curso é dado na sala do Condomínio de Laboratórios (Cepitec), atrás da Superintendência de Infraestrutura (Infraufs), antiga prefeitura do campus de São Cristóvão, e dura de quatro a cinco meses. As aulas ocorrem uma vez por semana, com duração de duas horas. Há quatro turmas em andamento, com no máximo 15 alunos em cada uma.
Para participar do projeto, é só preencher a ficha de inscrição de cadastro de reserva que está no Departamento de Letras Estrangeiras (telefone 3194-6734) e Nupati (3194-6384), ambos no campus de São Cristóvão.
Em 2018, a professora coordenou a coleção “Tempo cognitivo e tempo social nas aulas de inglês para a envelhescência e terceira idade”. “Em 2025, a população de idosos do Brasil será superior a 16%, o que o colocará em quinto lugar no ranking mundial de países com maior população de idosos. Apresentamos uma abordagem sobre o tempo, para o ensino de inglês, considerando este cenário”, diz a sinopse do livro, que foi financiado pela Capes e Fapitec/SE.
Fernanda Roza (bolsista)
Luiz Amaro
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